Depoimentos

Meditando com o Poeta da Cor Alberto Valença

MARINHA (Itaparica): óleo sobre madeira (compensado), 22 cm x 27 cm, 1950. Coleção Vva. Armínio Fraga, Rio de Janeiro, RJ.


  Depoimento de Vera Spínola

Respirando incenso e ainda palpitando, desperto da meditação cercada pelas pinturas de Alberto Valença. Tenho a impressão de que seus personagens e paisagens me seguem com o olhar e me protegem nesse momento mágico.

A expressão plácida de Dona Olímpia, mãe do artista, é marcada pela preocupação e rugas inerentes à idade. O rosto de Claudionor exprime a inocência da criança; o sorriso no autorretrato do pintor, sabedoria; as paisagens de Itaparica e Mar Grande, memórias alegres de minha infância. Por sua vez, em um ambiente sombrio, na sacristia do Convento de São Francisco, o perfil difuso de um frade me convida à reflexão. Não me surpreendi ao constatar que a obra é intitulada Meditação. 

Embora casada, há mais de vinte anos, com seu filho Antônio Alberto, não conheci Alberto Valença pessoalmente. Guardo na memória uma paisagem urbana contendo uma figura de mulher descendo a ladeira próxima a um trapiche, à margem da Baía de Todos os Santos, hoje trecho da Avenida de Contorno. A imagem ficou gravada na minha cabeça. Ficava na sala de jantar da casa de meu tio e padrinho Fernando Carvalho Luz. Este fora o meu único e inesquecível contato com a sua obra até conhecer Antônio Alberto.



Um quadro é um poema se for algo mais que a linguagem pictórica. Diz-se que todo grande pintor é um grande poeta. Alguém que transcende os limites de sua linguagem... Por fração de segundo tenho a sensação de plenitude, ao abrir os olhos entre os personagens e ambientes criados pelo poeta da cor, Alberto Valença.



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DEPOIMENTO DA ALUNA IEDA MARIA

Eu o conheci na Escola de Belas Artes, quando ingressei para estudar. O que eu admirava nele era a expressão, a maneira e forma como ele pintava e o amor que ele dedicava aos quadros. Vivia intensamente a pintura, era como se fosse um precioso alimento, a obra dele era como um bálsamo e ele procurava fazer o melhor possível. Era consciente do seu valor.

Eu sei que ele foi colega de Presciliano, os dois foram artistas na mesma época. Presciliano estudou, assim como valença, na França e é outro pintor bahiano bastante reconhecido.
Para mim, o professor Valença, marcou uma época. Foi um grande expoente da pintura na Bahia, tanto ele como Presciliano e Mendonça filho souberam expressar as cores da Bahia, eram pessoas maravilhosas.
A influência do obra dele deve ter sido em grande parte francesa. Nos inspirava durante o  curso de desenho e modelo vivo. Parecia uma pessoa que viveu o trabalho intensamente e que realizou muito bem as suas obras que hoje se acham expostas em vários lugares.
Acredito que ele foi uma pessoa que pintou com toda tranquilidade e paz, o que é essencial para fazer um trabalho tão primoroso e belo quanto o dele.


Salvador, 21 de janeiro de 1998

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ENTREVISTA COM HUMBERTO PEIXOTO

Pergunta: Como conheceu o professor Alberto Valença?

Eu estava no quinto ano de medicina e resolvi frequentar a Escola de belas Artes como aluno livre. Comecei em escultura com Pascoal e tinha aula de desenho com Mendonça Filho. Valença tomava conta de uma turma de pintura ele e Presciliano. Eu aí vi pela primeira vez, todo de preto e cabelo grande de pintor.
Na época um artista, só o artista usava aquela cabeleira maior. Valença era um homem muito triste, estava viúvo, tinha perdido a esposa.
Ele havia se casado com Letícia que havia sido aluna na Escola de Belas Artes, e teve um filho que se chama Antônio Alberto. Nesse período eu me dava as vezes passar por ele corrigindo os desenhos, na maioria das vezes não corrigia muito. Já Presciliano tinha mania de sentar e redesenhar o trabalho do aluno. Mas ele não, dava mais informações, orientava para que o próprio aluno desenhasse. Daí eu comecei a me dar com ele e ficamos muito amigos. 
Tinha um amigo que era João Gama que depois foi aluno e professor da Escola de Teatro, ele também pintava e as vezes aos domingos nós íamos a casa dele na Gamboa. Lá tinha um atelier onde pintava. Alberto ficava conversando e não pintava nunca, aliás nunca pintava na frente de ninguém, só pintava sozinho porque era muito tímido. Certa vez eu e Alberto ficamos sozinho, botei um papelão no cavalete e comecei a desenhar e a pintar. Depois eu disse: - olhe Valença isso não é justo, eu que não sei pintar e você é um mestre aí parado servindo de modelo para mim. Então eu pedi que trocássemos, eu fiquei de modelo e ele pintou. Eu sou radiologista e naquela época utilizavam os papelões que vinham nas caixas para proteger os filmes de mais ou menos 30 por 40 cm. Depois da minha proposta naquele dia ele começou a pintar o meu retrato. Quando ele começou a pintar esse retrato eu estava com uma camisa verde claro e ele disse: "essa camisa você não lava enquanto eu não terminar o trabalho, porque pode esmaiar um pouco e o reflexo fica prejudicado."
Além disso ele tinha mania de só pintar em determinadas épocas, ele dizia que sol, dos trópicos estava muito forte no verão, nessa época ele não fazia paisagens. O período que ele mais gostava dre pintar era de abril a setembro. Segundo ele era quando a luz era mais fraca e o céu ficava colorido, mais bonito. Os horários preferidos para ele pintar era cedo da manhã ou ao cair da tarde. Tanto que você pode ver que muitos quadros são ao cair da tarde.
Aconteceu uma coisa interessante lá na penha, junto a um tamarindeiro em Itapagipe. Ele começou a pintar um quadro, se deslocava para o local de bonde e assim levava todo seu material.
O quadro estava inacabado e quando retornou ao local haviam colocado fogo na grama, então ele arrumou tudo e retornou para casa, achava que não podia pintar por que o capim havia sido queimado. No ano seguinte, na mesma época ele retornou para terminar o quadro pois o capim já estava verde. Muitos artistas fazem a mancha ao ar livre e depois no atelier retoca. Mas ele não, era fiel demais. Embora a interpretação dele seja muito rica, muito técnica, muito boa, mas ele não tinha coragem de fazer isso e voltar para casa e terminar.

Pergunta: Valença recebeu influência de artistas europeus?

Quando ele foi para a Academia Julian, durante os dias do inverno ele frequentava muito os museus. Mas, o que mais lhe chamava a atenção eram os impressionistas. Ele era um homem que entendia muito de arte e gostava dos museus que frequentava. Em muitos museus ele sabia, só em olhar, de quem era a pintura. E eu pude comprovar isto algum tempo depois, aqui na Bahia, quando fiz um negócio com um Marchan. Era um Marchan da Europa que estava em penúria financeira, e havia trazido muitos quadros para serem vendidos em todo a America do Sul. Uma das exposições foi feita aqui na Bahia, foi quando comprei um quadro de Gabriel Vier, na época medalha de ouro no Salão de Paris. Na verdade eu só comprei este quadro porque ele gostava muito e também fui muito influenciado por Presciliano. Só que eu queria uma outra moldura para o quadro, moldura de camacaia e o Marchan havia trazido muitas destas molduras. Havia uma moldura de um quadro que não tinha sido exposto por conter um pequeno defeito. Eu gostando do quadro, resolvi comprá-lo, pois era um quadro de Jorge Leroux.
Certa vez, quando Valença foi em minha casa eu disse a ele que havia comprado um quadro, mostrei-lhe e perguntei de quem era. Ele olhou distante e disse. Parece Jorge Leroux e eu confirmei. Ele realmente tinha uma memória visual fantástica.
Em outra ocasião, quando eu passava uma temporada no Rio de Janeiro Dorival Teixeira que era da turma da época, chamava Valença de "Museu", porque ele conhecia e descrevia todas as obras de todos os artistas que estavam nos museus da Europa. Ele até foi convidado na época, para ensinar pintura no Canadá, mas ele não quis, não aceitou o convite, pois era muito tímido.
Eu tinha um amigo, Valdemar Loges, cujo sogro morava nas proximidades do Largo Dois de Julho, área que dava para o mar.  Dizia este amigo que quando estava próximo da viagem para a Europa, Valença ia para o Largo Dois de Julho onde ficava olhando o mar, dizia:
- É por ali que eu vou-me embora. Alguns dizem que era a timidez de ir para a Europa.

Pergunta: Qual a sua opinião sobre o professor Alberto Valença?

Eu o considero como um dos maiores pintores que a Bahia já teve. Além dele eu convivi com Presciliano Mendonça, justamente na época em que eu comecei a Escola de Belas Artes. Mas na minha opinião dos três artistas o melhor era Valença. Presciliano era um bichão, um negócio fantástico, desenhava maravilhosamente, pintava de forma inigualável. No entanto, Valença captava melhor o colorido da Bahia. Ao ar livre eu acho que o Valença foi o maior de todos. Não sei se era o mais sentimental, mas foi quem conseguiu captar melhor a luz da Bahia.




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RECORDAÇÕES DE UM MESTRE
Por  Humberto Peixoto

Imagens do Google: Escola de Belas Artes da UFBA, antiga sede e sede atual. Aqui lecionou o Pintor Alberto Valença.


No meado da década de trinta, estudante de medicina, resolvi ingressar, como aluno livre, na Escola de Belas Artes. Passava ela, na época, por grandes dificuldades financeiras, funcionando no velho casarão da rua do Tijolo e sobrevivendo graças a abnegação de seus renomados mestres.
Contratavam, então, com a penúria do ambiente: a riqueza de fragmentos e esculturas (cópias em gesso  reduzidas e fidedignas, das originais expostas nos museus europeus), de telas dos alunos que obtiveram o Prêmio Caminhoá e da alegria jovial dos estudantes dispersos nas salas de aula de modelagem, desenho e pintura.
Frequentei, ciclicamente, a escola enquanto funcionou no referido casarão. Lá, acompanhei sua renovação quando passou a fazer parte da Universidade Federal da Bahia, tendo tido a oportunidade de assistir os primeiros concursos para preenchimento de algumas cátedras. Os titulares existentes foram confirmados nos lugares.
Foi naquele recinto mágico, onde vi pela primeira vez Alberto Valença. Impressionaram-me: a sua figura esguia, seu ar tristonho, sua vasta cabeleira grisalha, seu traje escuro e seus passos lentos a observar atentamente, nos cavaletes, o trabalho de seus alunos; aprovando-os ou corrigindo-os mais com palavras do que com traços.
Tornamo-nos amigos. Descobri  assim, que atrás daquela máscara, resultante de timidez, havia uma pessoa alegre, contadora de casos picantes e acima de tudo um profundo conhecedor da arte que abraçava.
Premiado, Valença viajou para a Europa, após a primeira grande guerra, onde foi estudar na Academia Julien em París. Lá, aproveitava suas horas de folga, principalmente nos frios dias de inverno, para frequentar os museus onde se detinha, demoradamente, analisando quadros e as características de seus autores, gravando-os em sua prodigiosa memória.
Disso tive a prova. Uma noite, indo ele jantar em minha casa, mostrei-lhe um pequeno quadro que acabara de adquirir de um "marchand" europeu que aqui fazia um exposição depois da segunda guerra. O quadro não estava exposto porque tinha uma pequena rachadura em seu suporte de madeira. Fora-me mostrando porque suas dimensões correspondiam à da moldura que desejava comprar. Valença olhou-o demoradamente a certa distância e disse-me: - parece pintura de Georges Lerroux. Acertou no alvo.
Ainda na França, visitou a Bretanha onde fez belíssimas paisagens de Concarneau.
Referia-se, com admiração e elogios, aos mestres do passado que tivera oportunidade de ver. Porém foram os impressionistas a quem adorava com fervor que  influenciaram sua pintura.
Trabalho suas belas paisagens sempre ao ar livre, das sete às dez ou de 15 às 17h30, sempre do outono a primavera. O verão tropical, dizia ele, tem a luz muito intensa, prejudica a perspectiva aérea e torno a paisagem muito dura. No "atelier" pintava apenas os retratos e, em área coberta, os interiores das igrejas e dos conventos, todos eles de grande valor artístico.
Pintava sempre só, se ao seu lado estivesse um colega ou um discípulo parava de trabalhar.
Foi, não resta dúvida, ponto culminante nas artes plásticas da Bahia. Recebeu medalha de ouro no 1º Salão aqui realizado, pelo magnífico retrato de uma senhora residente no Rio de Janeiro, executado durante sua temporada na antiga capital da República.
Creio que, se houvesse permanecido na Europa, teria valorizado mais os movimentos artísticos lá iniciados no começo do século vinte.



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DEPOIMENTO DE ED CARLOS ALVES DE SANTANA
Alberto Valença: sua obra, sua vida e tons de pura poesia
Ed Carlos Alves de Santana - Artista plástico e mestre em Artes Visuais pela EBA-UFBA – 26/04/2013
Ao contemplarmos as obras do pintor baiano, Alberto Valença (1890-1983), natural de Alagoinhas-Ba, somos tocados por sentimentos contagiantes de amor ao fazer artístico-pictórico, pela nostalgia de um final de tarde, pela solidão erma, pela meditação e pela maestria pictórica.
Dos temas ou gêneros da pintura por Valença desenvolvidos: retratos, paisagens, casarios, interiores religiosos, marinhas com praias impregnadas da mais pura solidão e atmosfera de introspecção sensitiva. Podemos sentir a atitude de um homem introspectivo frente à natureza trocando diálogos tonais carregados de paixão ao ato da fatura plástica.
Dentre os mestres da arte baiana Alberto Valença era o mais solitário, sensível e inteligente. Em suas obras exceto os retratos, a figura humana é dispensada diante a riqueza da natureza. Pode-se imaginar Alberto Valença com seu material de pintor diante uma paisagem bucólica banhada de seus últimos raio de sol a plasmá-la na tela.
Este artista comungou com a natureza, tentou entendê-la e desta comunhão saíram obras estupendas, onde o domínio técnico da realidade promovida pelo desenho certo e sua grande capacidade de observação, que vai além do visto, ele captou a alma das coisas vistas: um cajueiro solitário, coqueiros, umbuzeiros todas estas coisas estão impregnadas de uma bela tristeza, de um caráter sóbrio, como se confidentes a se abrirem em suas lamentações de vida.
Em seu trabalho o silencio predomina. Há  um quadro seu no acervo do Museu Carlos costa Pinto "Reflexos na água"  que sempre me emocionou, perante tal visão de pintor, nesta obra a tarde cai, tudo é tão solitário, tão envolvente, um convite a meditarmos sobre os aspectos da vida, existência esta que passa rapidamente no vagar dos séculos, como se 100 anos se tornasse em um dia. Na sua ausência de quase 30 anos, fica-nos seus quadros, tão eternos quanto seu amor à arte.
Todos nós deveríamos deixar algo de belo com aura de eterno como  fez o pintor e professor Alberto Valença em sua rápida passagem pela terra contribuindo para melhorar o mundo.
Alberto Valença deu-nos sua contribuição enriquecendo ainda mais nossas vidas com a beleza de suas obras, esta poesia plástico-visual que alegra-nos os olhos, nos fazendo mais felizes como pessoas em um mundo hoje conturbado pelo caos e constante perda de valores.
Na pintura de Alberto Valença a paixão é evocada em pequenas dimensões do belo, transfigurada pelo óleo como um transbordar de se mesmo. Este homem sentiu a necessidade de compartilhar leituras feitas pela alma de pintor sob a égide de pincéis empunhados em suas mãos hábeis prestando uma declaração de amor ao mundo, surpreendendo o olhar de seus admiradores assim fez o pintor Alberto Valença.

Fora da badalação de exposições, viagens ao exterior, o pintor só queria se reencontrar com seu amor maior, a silenciosa natureza. Um baiano de renome nacional e internacional, hoje está sendo resgatado por sua filha Maria Amélia Valença numa belíssima homenagem tornando publica a memória de seu pai, o grande mestre do plein-air baiano Alberto Valença.

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DEPOIMENTO DE JUAREZ PARAISO

Tive o privilégio de realizar o meu mestrado de Desenho com o Mestre Alberto Valença e ter sido por ele considerado o seu discípulo predileto é motivo de muita satisfação e orgulho, pois Alberto Valença foi um dos homens mais sensíveis e intransigentes que conheci. Foi longo o meu convívio com o Mestre Alberto Valença e pela sua dignidade, dedicação e excepcional competência era um dos nossos modelos de Artista, exemplo a seguir. Durante a década de 50 as personalidades artísticas mais responsáveis pelo caráter da Escola de Belas Artes, ideologia e credibilidade, eram Presciliano Silva (aposentando-se) Alberto Valença, Mendonça Filho, Emídio Magalhães e Ismael Barros, cada qual com a sua magia e extraordinária habilidade, como intérpretes da natureza e testemunhas da vida. 
Sensibilidade à flor da pele, temperamental, contemplativo, sofrido e sofredor, Alberto Valença sempre nos impressionou pela sua postura de artista e inquebrantável obstinação na busca da forma que melhor expressasse a sua percepção romântica da natureza. Não fazia concessões  como Artista ou professor e dava gosto ver e ouvir Alberto Valença, falar sobre arte, corrigir os desenhos de Modelo Vivo, sempre implacável e desafiando o melhor da observação e sensibilidade dos alunos mais talentosos. Ouvir um elogio de Valença era sempre um prêmio disputado por todos, mais que poucos alcançavam na infindável busca da estrutura técnica e estética mais condizente ao desenho da figura humana. Nas aulas de Modelo Vivo, sempre situava o exemplo de Ingres, a busca da expressão plástica e linear que contradizia o próprio espírito acadêmico, da proposta final que era a figuração humana em termos ideais, neoclássicos, predominando ao final o nível de abstração plástica. Nos retratos interiores de Alberto Valença também permanece o rigor do ofício e da disciplina, a discrição perspectiva da forma. Os retratos são atentamente construídos e predomina em muitos a concepção Renbrandtiana do espaço e da forma, emergindo da luz como energia concentrada o aspecto mais nobre do tema, a face, haja visto o expressivo retrato de D. Ana, datado de 1932. Mas a herança acadêmica do seu grande Mestre Manoel Lopes Rodrigues jamais comprometeu a poética pictórica de Alberto Valença, graças a sua extraordinária sensibilidade para as cores. Era um colorista por excelência. Na verdade o seu talento natural para as sutilezas cromáticas realiza-se mais espontaneamente com a pintura de "plein air" e os artistas que mais despertam a sua admiração foram Daubigny, Harpignies e Corot , claro, sem falar em Presciliano Silva, seu professor, grande amigo e companheiro.
Alberto Valença é o grande pintor baiano dos casarios, marinhas e paisagens crepusculares  Não foi inventor de formas, embora seduzido pela abstração da cor da luz em alguns quadros, mais um excepcional pintor sensitivo e apaixonado interprete da natureza. Nas suas pinturas predomina a suavidade da matéria pictórica dos impressionistas, uma certa inconsistência formal, onde a luz morna e lânguida comunica um tocante sentimento de nostalgia. O Mestre Alberto Valença era um homem solitário, mas, como todo verdadeiro artista  acabou compartilhando as suas emoções e sentimentos mais íntimos através da arte que foi capaz de criar.


Juares Paraiso 
Abril de 1991


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ENTREVISTA COM BRÁULIO QUEIROZ

Quando o conheci eu trabalhava numa companhia de seguros, e ele era nosso segurado. Daí começamos a fazer uma certa amizade.
Havia entre nós uma diferença de idade muito grande, e não sei porquê, ele sempre tinha comigo muita atenção e conversava muito, sobre a vida dele e sobre assuntos particulares. Era uma pessoa muito inteligente, muito amável, um homem muito simpático, alegre, mas ao mesmo tempo um grande sentimental. Era um homem muito alegre, mas ao mesmo tempo um grande sentimental. Era especialmente, sensível às coisas da vida e muito apegado aos seus familiares.
Em primeiro lugar o seu porte de pessoa era de um homem muito bonito, tinha um cabelo de poeta, transmitia muita alegria e gostava muito de conversar. Enfim, era um ser humano simples, bondoso e de elevada perspicácia.
Alberto Valença fez o curso na França onde ficou algum tempo. falava sempre de sua estadia e dos lugares por onde andou na França.
Minha amizade com ele começou por volta de 1940, quando eu comecei a trabalhar na Companhia. Durante todo este tempo pude conhecê-lo melhor. Trinta anos depois, quando deixei de trabalhar na companhia para fazer outras atividades, perdi totalmente o contato com Valença.
Eu nunca fui à casa dele, nem ele a minha, mas mantínhamos um relacionamento cordial e até certo ponto confidencial. A senhora mãe dele parece que morreu muito velha, e ele se preocupava muito com ela, "a velhinha" como ele sempre falava. Um fato que marcou muito a sua vida foi a morte de sua primeira mulher. Este fato deixou ele muito chocado, sempre demonstrava sua sensibilidade com o ocorrido, tive oportunidade, algumas vezes, de ver as lágrimas caírem de seu rosto.
Vez ou outra aparecia no escritório da Companhia, localizada em cima do Elevador Lacerda. Nós saíamos e nos sentávamos confortavelmente em umas poltronas, deixava a minha carteira, e íamos conversar.
Sempre admirei muito a sua obra, como sempre gostei muito de visitar museus, me tornei um apreciador da arte. Me falava sobre seus trabalhos, principalmente os que empreendia para uma determinada família muito amiga sua, a família Costa Pinto. Ele retratou todos os seus familiares, era uma família das mais tradicionais da época.
Eu brincava muito com ele, e dizia: "professor eu ainda quero comprar uma marinha em sua mão. Quando tiver uma marinhazinha lá sobrando eu quero comprar." Um belo dia me apareceu ele com um embrulhozinho e disse: "aqui está pela sua ajuda, eu trouxe um borrão de presente." "Pediu que eu não reparasse e descreveu até onde era, uma ponta de recife que tem em direção ao mar, próximo a Itapoã. Essa marinha eu guardo com muito carinho e até já repassei para meus filhos. Eles falam de vez em quando em vender, mas este quadro eu não vendo é de Valença. Eu sabia que ele me queria muito bem e me tinha em confiança.
Como eu  ia falando, a senhora dele morreu, a primeira mulher. Ele ficou muito comovido e abalado. Um dia conversando comigo, confidenciou-me que estava gostando de uma senhora que morava em Brotas. Segundo ele, ela era muito atenciosa e cuidadosa, e que por vezes ele ia lá almoçar. Ela esmerava em atendê-lo, em preparar seu almoço ou coisa semelhante. Enfim, o tratava com muito carinho.
Passado algum tempo ele veio e me contou que a senhora estava grávida. Isso mexeu muito com a vida de Valença. Como ele era um homem muito sensível e sentimental ele dizia: "Já pensou a essa altura dos anos um filho." Apesar da diferença de idade nós conversávamos muito, sempre na sala de espera da companhia. Como eu trabalhava com seguros ele disse que queria fazer um seguro,mas se preocupava com a idade avançada que possuía. Ele já tinha um seguro na CIA. Eu perguntei a idade dele e vi que ele tinha limite. Conversei com ele e perguntei sobre algumas coisas particulares, necessárias para o seguro, como não constatei nenhum problema de saúde avisei que poderia fazer o seguro. Na época foi feito um seguro dos bons, dos maiores feitos na CIA. O seguro foi em benefício dessa senhora.
Quando Valença pintava ele se dedicava aos seus trabalhos, Se pintava aquele morro ali,  ele chegava digamos às 10 horas da manhã, ele olhava o céu, a luminosidade, olhava tudo, botava a prancheta dele e andava sempre com um tripé e uma mala de tintas. Era muito comum vê-lo no bonde em direção a Orla e ele fazia aquilo religiosamente. Se o tempo não era o mesmo ou a luminosidade não era a mesma ele não prosseguia com o trabalho, que só era feito ao vivo. ele gostava de olhar a beleza do mar, do céu, das coisas. Caso isso não fosse possível, ele voltava pra casa e deixava que chegasse o tempo.Tive, também, a oportunidade de algumas vezes vê-lo pintando nu artístico
Eu tive a oportunidade de visitá-lo uma vez ou duas, na Rua 28 de Setembro, ele chamava "Rua do Tijolo." A Escola de Belas Artes era lá embaixo, e ele sempre me convidava para uma visita.  Eu mantive contato com ele durante muitos anos, depois perdi o contato, pois ele tinha sempre muito trabalho, era muito solicitado. Para mim, ele lembrava a figura de Castro Alves, aquela cabeleira solta, vestia-se bem mais discretamente.



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DEPOIMENTO DE CARYBÉ

Conheci Alberto Valença em 1950. Antes de conhecê-lo pessoalmente conheci sua pintura, pequenos quadros pintados do natural, paisagens com mar, arrabaldes, um coqueiral, algum retrato.
Odorico Tavares e Godofredo Filho iam-me introduzindo nos valores da Bahia.
Era uma pintura limpa no sentido que era isenta de truques, sem nada de espetacular mas que, chamava a si. Era uma harmonia poética que fluía dessas paisagens e o motivo desse encantamento era a sinceridade de cada pincelada, todas estudadas, pensadas, postas com uma relação entre si como as palavras de um soneto, digamos até com uma rima cromática que é difícil de se encontrar.
E depois veio ele. Um Dom Quixote de jaquetão, romântico, e de uma sensibilidade de corda de violino. Cabeleira branca, brilhante ao vento, gravata lavaliére e, digamos, uma figura gostosa de se ver.
Os anos de estudo na França deram-lhe fluidez e ofício e tudo o que aprendeu nos campos  da Bretanha, do Midi e de Paris foi transformado em matéria-prima para nossas praias, céus e paisagens de cromatismo tão diverso, de tão diverso sabor.

Carybé
junho de 1991 


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DEPOIMENTO DE ANNA VERENA WILDBERGER

Alberto Valença era uma pessoa extraordinária. Aprendi a gostar e apreciá-lo ao longo da minha vida.

Ele era muito amigo de meus pais. Frequentava sempre a nossa casa, ora almoçando ou jantando ou simplesmente vinha conversar.Nesses momentos inesquecíveis aprendi muita coisa.Só se conversava praticamente sobre arte, museus europeus, principalmente o Louvre e quadros célebres.Ele contava muita coisa interessante sobre sua estadia na França, eu adorava.
Quando tinha meus 9 a 10 anos ele pintou um crayon meu e  me dizia: "Não gosto de pitar crianças porque não ficam quietas. A "senhorita" faça-me o favor de se comportar e não se mexer. "Eu ficava completamente imóvel e quando acabava ele dizia-me: "coitadinha está exausta". Durou dias essa pintura, mas fui compensada no fim com meu retrato e um grande abraço de parabéns pelo meu comportamento.
Ele me dizia que só gostava de pintar quando estava inspirado, se não fosse assim tudo que produzia não gostava.
Contou-me uma certa feita que ia pintar as marinhas no local. Levava o cavalete com a tela e tintas e começava a trabalhar.Ficava muito aborrecido porque os molequinhos perturbavam e as vezes jogavam pedrinhas e chamavam-no de velho maluco. Mal educados dizia! No princípio se aborrecia tanto que voltava para casa. Depois  achou desaforo e resolveu atrai-los. Então tornaram-se amigos e admiradores e ficavam a olha-lo pintar e acabaram depois ajudando-o até a carregar o material.
Ele era um homem muito sensível. Um belo dia ele conversando comigo, ficou a me olhar e começou a chorar. Tomei um susto pensando que ele sentia-se mal. Ai ele me disse: "Quando olho e lembro-me que conheci você criança e hoje é casada e mãe de filhos, fico muito emocionado."
Esse era o homem Alberto Valença que deixou muitas saudades e eu só posso agradecer a Deus por ter me dado o privilégio de tê-lo conhecido.

Anna Verena Wildberger 



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DEPOIMENTO DE SYLVIO SANTOS FARIA


Desde garoto, com meus 10 (dez) anos, tomei conhecimento da beleza dos quadros de Alberto Valença na residência do meu saudoso tio, o reitor Edgard Santos. Não o conheci,  então, pessoalmente.

No ano de 1953, nomeado Assistente de Ensino do Curso de Arquitetura, da UFBA, Disciplina de Economia Política e Direito das Construções, convivi com ele, pois o Curso de Pintura, da Escola de Belas Artes, funcionava no mesmo prédio, na Rua 28 de Setembro. Esta convivência durou até que a Faculdade de Arquitetura foi transferida para a  Av. 7 de Setembro, zona da Vitória, onde funcionava o Colégio Shopia Costa Pinto.
Lembro-me muito bem do dia em que o retratado se apresentou, pois fomos à Escola de Belas Artes, eu, Américo Simas Filho e Oscar Caetano, de bonde, cujo ponto era do outro lado da Av. Sete, junto ao prédio atual do Museu do Estado e onde funcionava a Secretaria de Educação, todos professores de Arquitetura. Saltamos do bonde, lá pelas 17 horas, na Praça Castro Alves e nos dirigimos pela Rua Ruy Barbosa, descendo a Ladeira da Praça, para alcançar a Rua 28 de Setembro, onde se realizou a comovente solenidade, com o homenageado bastante emocionado e em prantos, como acontecia constantemente face à sua facilidade de se deixar emocionar a propósito de sua condição artística.
O Professor Valença era um notável artista, apaixonado pela natureza e pela sua Obra. Prendia-se aos trabalhos, que estava executando, e nutria a ânsia da perfeição, de maneira que jamais considerava terminado o trabalho, achando sempre que faltava alguma coisa ainda a fazer. Algumas vezes, pelo que se contava no ambiente de trabalho, insistia em modificar o quadro e chegava, ao final, à conclusão de que deveria desistir, abandonando o trabalho para nunca mais recomeçá-lo. Por vezes, manifestou-me o inconformismo com certos pintores da época, preocupados menos com a arte do que com a aceitação dos trabalhos de pintura pelo mercado. Não admitia que seus trabalhos fossem apreciados pelo lado material da aceitação do mercado. Para ele, tal conduta era até imoral.
 O apego que ele tinha aos quadros de sua autoria criava um estado de espírito contrário á entrega do trabalho a quem lhe encomendara. Assim, era muito difícil a entrega da  encomenda. Sabendo de tal circunstância e desejado possuir um quadro de Valença, com todo o apreço, que ele me dedicava, resolvi apelar para o seu filho, também grande amigo e companheiro de trabalho no Desenbanco. Nesta condições, tenho na minha coleção uma marinha da Pituba, por sinal reproduzida no livro de Clarival Valadares, editado pela Fundação Odebrecht.
Posso dizer que Alberto Valença era um exemplo de retidão de caráter nas relações de família, no trato das artes plásticas, enfim, na sociedade, totalmente desprendido dos bens materiais e apaixonado pela Arte.
Valença, cuja formação artística, se fez na Europa, onde trabalhou e produziu com grandes pintores franceses do começo deste século XX, sempre se opôs à improvisação na pintura, em que o autor abreviava o trabalho com propósito de apressar o giro econômico da mercadoria, a que, no seu entender e com boa razão, se reduzem os trabalhos da chamada arte moderna, consideradas as exceções raras no meu entender. Sou testemunha da sua santa ira contra tais autores modernistas.
Valença, juntamente com Presciliano Silva, Mendonça Filho, Nilton Silva e outros pintores clássicos, representam uma Escola, que nunca poderá ser esquecida, seja pela beleza, seja pela qualidade do trabalho paciente, seja pelo detalhe do desenho. A História confirmará esta assertiva de um simples admirador.
Influenciaram a obra de Valença os seus mestres franceses e, na Bahia, Lopes Rodrigues.
Confesso que desconheço os obstáculos enfrentados por Valença para alcançar o patamar de Mestre. Sinceramente, se eles existiram, nunca ouvi falar. Sei que a Universidade Federal da Bahia, sob a liderança de Edgard Santos, sempre o considerou uma das mais altas expressões culturais e o seu nome, em qualquer parte, sempre a engrandeceu e a qualifica.

Sylvio Santos Faria

  

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DEPOIMENTO DE SÔNIA CASTRO


Alberto Valença, meu velho e querido professor de desenho-de-modelo vivo, da Escola de Belas Artes, fim da década de 50, rua do Tijolo, (28 de setembro já, na época), palco de muitos acontecimentos estudantis e sociais, alguns dramáticos, outros felizes. Naquele tempo, o curso de Pintura, assim como o de Arquitetura, Gravura e Escultura, faziam a estrutura da velha esc ola, no prédio antigo, mas sempre conservado novo, restaurado. Talvez resultado do prestígio do diretor com o reitor Edgar Santos.

O velho Valença, como todos os chamavam com carinho e respeito, não era dado a muitas intimidades com os alunos, mas, às vezes, conversava muito e contava suas experiências no atelier de pintura, em Paris e as velhas estórias da Academia Julienne, marco do estilo de pintura que fez famosas e duradouras, conhecidas e reverenciadas, as obras de grande números de artistas. Apesar de sua docilidade, Prof. Valença era muito exigente e sofria com as desastrosas tentativas acadêmicas dos alunos no atelier de pitura, quando raramente conseguíamos um elogio, mas não era difícil algumas brincadeiras. Ele era extremamente discreto e passava sempre ao largo, nos corredores da escola, mas, por diversas vezes foi buscar-nos na cantina da escola, quando filávamos sua aula, para jogar ping-pong.
Parecia triste, fechado e silencioso por um longo momento, como se estivesse viajando pelo passado, mas, de repente, retornava à realidade e contava suas estórias parisienses.
Sabíamos que amava muito sua esposa e sua tristeza foi visível quando ela faleceu. Ele chorava e chorava. Alguma coisa o deixava inconformado com as artes plásticas na Escola de Belas Artes ou descontente com o caminho que a própria arte tomou, mesmo antes daquele tempo. Era diferente de todos os outro professores. Falava baixinho, muito educado e por diversas vezes, irônico e sarcástico, com certa dosagem de bom humor.
Uma figura bonita, de cabeleira branca cheia e despenteada, que ele ajeitava com os dedos, numa certa elegância muito particular, do terno cinza escuro, gravata e o guarda-chuva inseparável. Uma figura!
O momento que mais me lembro com meu velho professor Valença, no atelier de pintura, era quando indignado com os trabalhos dos alunos, repetia sempre "Ah, mon Dieu de la France, sauvez-moi ... "
Sua  pintura era como ele, pura melancolia, como a postura e o comportamento comprometido com o seu passado, principalmente o passado de sua arte e de sua velha e querida Paris, Ele e Presciliano, talvez formassem a dupla de remanescentes artistas plásticos, de uma geração ainda evidentemente influenciada com o fim do século passado europeu, que parecia ainda muito presente e atual, pelo menos na Bahia da década de 50. Não sei exatamente as raízes de tais ligações profissionais, mas, sem sombra de dúvidas, eles eram indiscutivelmente os dois maiores representantes daquela forma de arte, que Salvador, naquele tempo, considerava da maior qualidade e importância.

Sônia Castro
Abril, 1996


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DEPOIMENTO DE CALASANS NETO


Conheci o Prof. Alberto Valença na Escola de Belas Artes no tempo em que ficava na 28 de setembro. Na época estudava gravura com o Mário Cravo e não era aluno de pintura, portanto não era aluno do Mestre Alberto Valença. Porém já conhecia o nome como artista importante.  
Como não convivi diretamente como o Mestre Valença e sim na sua passagem, a minha visão do seu perfil é reduzida, a dizer que era alto, elegante, sempre bem vestido e uma linda cabeleira alva de fazer inveja.
Uma passagem que me impressionou foi ouvir o Mestre falar com alguns alunos na sala de recreio sobre a vida e a falta de amor dos alunos pelas artes. Foi aí que fiquei impressionado com a honestidade de ponto de vista deste homem. Quando vi estava chorando copiosamente. Estava provada a sensibilidade deste artista preocupado com o ensinamento das artes.
Alberto Valença tem grande importância nas artes baianas, pois sendo um Mestre que pautou o seu trabalho com talento, devoção, abriu caminho para destaque na pintura, o que fez Alberto Valença passar fronteira e ser um destaque importante na pintura brasileira.
O que eu sei do pintor Alberto Valença é a sua representabilidade de uma pintura forte e personalíssima no cenário das artes brasileiras.
O obstáculo enfrentado pelo Mestre Alberto Valença foi o mesmo de todos os artistas, além do talento comprovado, a dedicação e obstinação ao seu trabalho.

Calasans Neto, 96


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DEPOIMENTO DE CARLOS EDUARDO DA ROCHA

Conheci Alberto Valença na convivência de Carlos Chiacio nas reuniões de Ala das Letras e das Artes dirigida pelo extraordinário animador que foi o grande crítico e poeta. Chamava a atenção pela sua personalidade de homem invulgar de extrema sensibilidade, delicadeza e cavalheirismo, atraindo legião de amigos e admiradores.
Pintor da Escola Impressionista manteve-se fiel aos ensinamentos dos mestres de Paris, na Academia Julien e no Atelier de Emile Renard.
De regresso ao Brasil morou no Rio de Janeiro de 1931 à 1934, expôs no Salão Nacional obtendo medalhas de ouro e prata.
Manteve-se o mesmo pintor da atmosfera luminosa, das massas fortemente coloridas, do casario, da paisagem recortada contra céus largos e sempre azuis.
Funcionário do Museu do Estado da Bahia, dirigido por mim durante 18 anos, meu amigo desde que cheguei na Bahia, já de adiantada idade, pintou o meu retrato, aliás o último que realizou, e se justificava por não fazer uma dedicatória para não ofender outros amigos que também mereciam aquela homenagem.
Professor Emérito da Universidade Federal da Bahia, justa e merecida homenagem, pela sua dedicação ao ensino e pelos numerosos discípulos que soube fazer com extrema dedicação.
O que se sabe a respeito do pintor, toda a Bahia sabe: homem de qualidade,cidadão honrado, pai de família exemplar e dedicado amigo.
Como pintor de retrato, recebeu influência de Emile Renard, seu mestre em Paris, e admirava sinceramente seu colega e amigo Presciliano Silva.
O único obstáculo que Alberto Valença enfrentou, no meu modo de pensar, foi a sua extrema modéstia e humildade injustificáveis ao artista de tanto talento.

 Carlos Eduardo da Rocha


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DEPOIMENTO DE THEREZA MARIA MACHADO FREIRE

O nosso conhecimento com Alberto Valença, data da nossa infância aos cinco anos, na residência dos nossos pais.
Alberto Valença, ou carinhosamente, como o tratávamos "Tio Alberto", namorou, noivou e casou com Tia Letícia, irmã caçula de nossa mãe Hilda, que residia conosco, até o casamento.
Traçar o perfil de um grande homem e artista é muito difícil. Apenas desejamos ressaltar que a sua arte maravilhosa, através de seus quadros foi e será sempre um exemplo dignificante para todos aqueles que o admiravam como baiano e brasileiro notável.
A sua vida foi pautada pela simplicidade. Ele era simples e autêntico. O que mais me impressionava em Alberto Valença, era em São Tomé  de Paripe, durante os nossos veraneios com meus pais e tia Letícia. Ele sair conosco, cavalete e mala de pincéis debaixo do braço a procurar marinhas para pintar. Alberto Valença representa muitíssimo  no cenário da pintura baiana e para as artes em geral, principalmente como professor da Escola de Belas Artes. Ele apreciava e falava sempre muito bem dos colegas artistas. Demonstrava um carinho especial por Presciliano Silva e Mendonça Filho.
Para nós ele foi um Mestre com muito carinho.


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DEPOIMENTO DE FRANCISCO SENNA

Nos idos da década de 1960, quando estudante secundarista, tive o privilégio de conhecer o ilustre Professor Alberto Valença na residência  do Dr. Galdino Ribeiro, na Rua Santa Clara do Desterro, em Salvador. Colega de Eduardo César da Silveira Ribeiro, no Colégio de Aplicação e de Carlos da  Silveira Ribeiro, no curso de pintura do ICBA, netos de Dr. Galdino Ribeiro, frequentava esta residência com bastante assiduidade e costumava encontrar o Professor Alberto Valença pintando o Convento do Desterro, do jardim da casa de seu dileto amigo. Gostava de apreciá-lo, especialmente ao entardecer, retratando com pinceladas firmes o velho edifício, tão rico na sua volumetria e detalhes arquitetônicos.
Assisti-o, também, retratar o Dr. Galdino, bem como seu filho, Dr. Wilson Ribeiro, cujos originais a família conserva como relíquias. Era amado e admirado naquela casa e eu, ainda muito jovem, ficava encantado com o seu talento e simplicidade. Parecia-me um pouco reservado, metódico, consciente do que fazia e cuidadoso nos mínimos detalhes. Lembro-me que, certa vez, disse-me ser o entardecer uma hora especial para pintar, captando as sombras que o crepúsculo projetava sobre o edifício e, especialmente, quando o céu estava nublado. Considero o Professor Alberto Valença uma das maiores expressões da pintura impressionista no século XX, na Bahia, artista de grande sensibilidade, intimista e melancólico.
Quando Pró-Reitor de Extensão da UFBA, (1990-92), participei da comissão organizadora da Exposição Comemorativa do seu Centenário, realizada na Galeria Cañizares da tradicional Escola de Belas Artes da Bahia, intitulada "Alberto Valença - o poeta da cor", no período de 07 de junho a 07 de julho de 1991. Como colecionador, expus uma tela sua, datada de 1919, retratando a orla atlântica, de Ondina ao Farol da Barra.
Sou grande admirador da sua obra, pelo rico e talentoso acervo, que, juntamente com artistas do quilate de Diógenes Rebouças, Emídio Magalhães, Jaime Hora, Mendonça Filho, Newton Silva, Pancetti, Presciliano Silva, Raimundo Aguiar e Rescala, tanto engrandeceram o cenário das artes plásticas na Bahia, precursores do movimento modernista.

Francisco Senna
Abril de 1996
 

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DEPOIMENTO DE LÍGIA MILTON

Conheci o professor Alberto Valença e 1955 na Escola de Belas Artes na rua 28 de setembro.
Era aluna do professor Raimundo Aguiar cuja sala de aula ficava próxima à do professor Valença. Certo dia, coube-me desenhar a carvão uma meia máscara. O professor Raimundo Aguiar gostou do trabalho e mostrou  ao professor Valença iniciando-se assim o nosso conhecimento. Com frequência o professor Valença solicitava os meus desenhos, avaliava-os e ensinava-me a melhorá-los, ou apenas elogiava-os.
Era professor austero, porém simples, interessado no progresso não só dos seus alunos, mas também, daqueles de outros cursos que por alguma razão, dele se aproximavam e ele vislumbrava potencialidade. No momento da análise de um trabalho, ficava calado, sério, mudando-o de posição várias vezes era rígido e exigente, porém delicado  na crítica, capaz de fazer elogios, bastante estimulador, afável, fraternal mesmo em certas ocasiões.
A passagem mais marcante para mim, foi o nosso primeiro contato, quando ele, após observar o desenho que eu havia feito da máscara, após observá- lo por algum tempo, período suficiente para me deixar apreensiva, teve uma expressão de alegria e aprovação, deixando-me menos tensa, seguida de palavras que me encheram de satisfação e estímulo.
Sei que o professor Alberto Valença nasceu na cidade de Alagoinhas, pertencente a família de recursos econômicos limitados. Muito lutou, trabalhando como desenhista e para atingir o "status" de pintor ajudado por Lopes Rodrigues, posteriormente por Presciliano Silva.
Era possuidor de técnica perfeita, apreciador da natureza, tinha imensurável sensibilidade e punha a observação e a inteligência a serviço da sua arte. Foi considerado o maior paisagista baiano.
Retratista consagrado, pintou não apenas as fisionomias, mas conseguia transpor para as telas os sentimentos e personalidades dos modelos.

Lígia Milton


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DEPOIMENTO DE CARLOS BASTOS

PROFESSOR ALBERTO VALENÇA

Em 1944 meu primeiro contato com o professor Alberto Valença, foi na Escola de Belas Artes da Bahia, onde fiz dois anos de estudos, completando depois na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Nesta época na Bahia, haviam poucos pintores. Mas os que mais se destacavam era Presciliano Silva,
Raimundo Aguiar, Mendonça Filho, Jayme Hora, Diógenes Rebouças e Alberto Valença.
O meu primeiro contato com os professores da escola em  1944 e 1945 foi com Aguiar, Mendonça Filho e Professor Valença. Eu estava com 18 anos. Tímido e poucas intimidades entre professores e alunos naquela época... Mas o professor e pintor famoso que eu mais tinha aproximação era Valença.
Era ele que corrigia os meus primeiros esboços a carvão, de modelos vivos e estátuas de gesso. Era então a Escola de Belas Artes da Bahia, um modelo em miniatura da Escola de Paris, com lustres de cristais, galerias com cópias das estátuas da Grécia e da Roma Clássica. O aprendizado era duro, exigente e difícil. Tinha que se desenhar e muito bem. Só depois do 2º  é que se começava a pintar a óleo. Valença foi sempre amável  e compreensivo comigo e corrigindo com paciência e achava que eu tinha talento, dedicando-me uma atenção especial. Eu tinha paixão pelas suas marinhas com seus coloridos suaves e especiais.
Depois fui estudar em New York e Paris, voltei e ficou na minha formação de pintor, as influências e o aprendizado tão necessários ao pintor, que ele soube me passar e que persiste na base do desenho e da convivência com grandes artistas como ele, que conseguiram deixar na minha adolescência, as bases da minha formação futura.
 Graças a estes professores que souberam também manter o equilíbrio destes jovens da época, é que formaram uma geração atual de pintores atuais e sólidos e bem informados.
Professor Alberto Valença foi um marco na História da arte da Pintura Baiana e não será jamais esquecido pela bagagem preciosa que legou ao nosso Estado.

Carlos Bastos
Salvador, 22 de agosto de 1996


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DEPOIMENTO DE ARNALDO BRITO SOUZA

O meu depoimento sobre o "MESTRE ALBERTO VALENÇA" segue alicerçado na mais bela das nostalgias.
Me remoto a um tempo em que a dinastia conhecimento e o veio artístico autêntico eram conquistas efetivas. Falo dos anos 50. Quando jovens, desafiávamos no velho solar Jonas Abott, a acomodação e primazia do academicismo. Pintávamos a arte moderna, respirávamos a arte da "vanguarda", mas no fundo, bem dentro de nós, ou pelo menos da minha parte, existia um pouso seguro: sabíamos que os nosso devaneios tinham a base nas mãos do MESTRE VALENÇA, era nas suas paisagens, no seu traço seguro e correto, na determinação hipernatural das suas cores que púnhamos um pouco "os pés no chão". A onipresença da sua pessoa na antiga Escola de Belas Artes, era sustentada, e hoje com o recordar, sinto bem clara, era  o carisma que o mesmo tinha em estar simultaneamente entre alunos e professores sem distinção de nenhuma espécie, num tempo difícil, sem a projeção mundial da arte facilitada pela globalização e serviços como internet, etc... ouvir o MESTRE VALENÇA falar dos seus artistas preferidos como Degas, Manet, Corot, Delacroix e Monet, era um desafio à imaginação, a Europa era um sonho. Rapazes humildes como eu, estavam fadados a um mundo diminuto, mas havia o conforto, dado a brilhante personalidade do ARTISTA VALENÇA, de vivenciar as experiências do professor na academia Julian, de paris. E isto era gratificante.
Ouvi-lo falar da arte do velho mundo era fantástico e indescritível, como também era sólida a sua imagem: sempre de clássico terno e à passos comedidos, inesperado à sua "maletinha de pintura".
Como a melhor herança do tempo são as comparações que podemos fazer, eu aposto que foi duro, difícil mesmo o reconhecimto de "MESTRE" do PROFESSOR ALBERTO. Primeiro havia que se ultrapassar a arraigada mentalidade artística de então. Havia que se provar, queira ou não, uma certa genialidade (quase transcendental) e por último, que eu suponha o nosso bem lembrado artista, não veio de uma família tradicional e abastada, portanto seu maior triunfo foi vencer pelo talento e isto o fez superior.   
Ele venceu quando furou o bloqueio elitista de uma Bahia Provinciana e foi um "MESTRE" quando não deixou que o egoísmo o engolisse ou que a vaidade o tentasse. Como aprendemos com ele!...

Arnaldo Brito Souza

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DEPOIMENTO DE EDVALDO M. BOAVENTURA

Maria Amélia pede-me um depoimento sobre seu pai, o pintor Alberto Valença, conhecido mestre da pintura baiana. Valença com Presciliano Silva e Mendonça Filho exerceram influência na Escola de Belas Artes e alcançaram proeminência na Bahia. Destacou-se pelos retratos e paisagens, lembrando pelas suas tintas um pouco Cèzanne. Foi fiel ao impressionismo francês, manifestando-o um pouco tardiamente como os outros dois.
O meu contato maior com Valença deu-se no final do ano de 1970. Quando se reuniram os elementos para a concessão do prêmio Odorico Tavares, instituído pelo governador Luiz Viana Filho, fixamo-nos em  Valença, sobretudo pelo que representava o conjunto de sua obra. Sobressaiam os seus trabalhos na inesquecível exposição montada no Museu de Arte Sacra por aquela época. Valença já ia avançando nos anos, embora lúcido. Todos opinaram que fosse ele premiado, tais como, Renato Ferraz, diretor do Museu de Arte Moderna, Carlos Eduardo da Rocha à frente do Museu de Arte da Bahia, ainda instalado no solar Gós Calmon, bem assim como o pintor Jorge Costa Pinto. O governador Luiz Viana Filho concordou com a indicação que eu, seu Secretário de Educação e Cultura, fizera. O prêmio coroava o reconhecimento de um grande pintor. Assim, participei oficialmente da premiação que fez Valença muito feliz.

Edivaldo M. Boaventura
Salvador, 6 de junho de 1996 


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DEPOIMENTO DE ARTHUR JORGE COSTA PINTO

Dentre as inúmeras e gratas recordações que levo da minha infância no convívio com meus pais Vera e Jorge Costa Pinto, foi um privilégio para mim, conhecer nesta primordial fase da minha vida, o saudoso e reconhecido mestre da pintura impressionista baiana - ALBERTO VALENÇA.
Fraternal amigo de longa data da nossa família, venerado e respeitado por todos, foi uma figura humana de personalidade marcante e impenetrável, exibia uma educação contagiante, uma fonte perene de cultura notoriamente reconhecida, dono de uma sensibilidade extremamente aguçada na implementação eficaz do seu ofício e detentor de um temperamento com características singulares, as do gênio, consciente e comprometido com sua  missão exemplarmente bem cumprida.
Lembro-me de que foi para meu pai, o seu verdadeiro e dedicado mentor artístico. Repassou-lhe com fidelidade, todos seus amplos conhecimentos e experiências, no desenho e principalmente na pintura.
Até que um dia, passando por um conflito transcendental, o seu disciplinado e introvertido liderado começou a libertar-s e dos padrões rígidos do academicismo, buscando ansiosamente, o caminho desprendido e recriativo que a modernidade impunha deixando o notável Valença indignado, com sua guinada impetuosa e de certa forma audaciosa. Entretanto, estava completamente impregnado por uma forte base técnica transmitida pelo seu extraordinário mestre, que consequentemente, o credenciou a tornar-se um apreciado artista moderno  baiano, ancorando-se definitivamente  em adotar a linha construtivista geométrica, identificada pelos críticos modernos que se manifestaram.
A Bahia sofreu e a comunidade artística perdeu um expressivo representante quando Valença partiu em 1983, aos 93 anos, após ter sido refém de uma longa e sofrida deficiência na sua visão, que o impossibilitou de continuar a produzir as suas  belas paisagens de um colorido inusitado, os seus retratos fielmente elaborados e os interiores que marcaram a sua época.
Deixou uma obra permanentemente viva e irradiante. Ela é um arquétipo necessário para  a eternidade, intronizada em museus, coleções particulares e compêndios, possibilitando que  as futuras gerações possam diante dela, admirá-la e provavelmente extasiar-se.

Arthur Jorge Costa Pinto
Março  1997


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DEPOIMENTO DE GERALDO DE JESUS

ALBERTO VALENÇA

Conheci o Prof. ALBERTO VALENÇA (assim sempre o chamei) desde os idos de 1950, ao ingressar na Escola de Bela Artes.
Sua figura esguia e ponderada sempre despertou em mim grande admiração, mesmo sem conhecer a princípio, o artista que ele era.  Com o passar dos tempos essa admiração foi crescendo. Mercê de minha função como Secretário da Escola de Belas Artes, comecei a conhecer mais de perto, seu trabalho e caráter.
Achava sempre que sua obra ainda não estava em condições de ser exposta. Era o que se poderia  chamar de perfeccionista. Por isso, sempre se esquivou, quando convidado a expô-la. Poucos, a não ser os que privaram de sua intimidade, tiveram (ou ainda têm) a ventura de conhecer a obra de ALBERTO VALENÇA.
A Pintura nacional perdeu um grande baluarte.

Salvador, 07-05-96

Geraldo de Jesus  


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DEPOIMENTO DE ISA MONIZ DE ARAGÃO FARIA

ALBERTO VALENÇA

Difícil escrever sobre ALBERTO VALENÇA. Não só pela complexidade de sua pessoa-como a de alguns grandes artistas - mas também pela amizade e admiração que lhe devotava e devoto.
Conheci-o, como aluna, na "Escola de Belas Artes e Arquitetura" da Rua 28 de setembro, nos idos de 1945 e durante os anos que lá estive.
Apesar de ter Mendonça Filho como Professor mais constante, ALBERTO VALENÇA marcou sua presença pelo estímulo que me deu ao olhar um meu desenho e dizer-me com seriedade: "Não abandone nunca o seu desenho, a sua Arte".
Sua fama na Escola era de professor exigente e avesso a fazer elogios.
Outra característica que marcou foi o profundo respeito pelo trabalho do Aluno!
Sentava-se  em frente ao cavalete, olhava o desenho, o modelo, devagar, e, sem tocar ou riscar, apontava os erros e as qualidades, riscando - em outro papel - o que ia observando, caso fosse necessário!
Figura magra, alta, impressionante, sua introversão encobria um mundo de emoção e sensibilidade.
Sempre contei com sua orientação segura e estimulante; ele sabia quanto o admirava como Artista e à sua obra; e a empatia que existia entre nós apesar  da diferença de idade e de temperamentos.
Dos pintores baianos que conheci, ALBERTO VALENÇA foi, para mim, o MAIOR. Sem desmerecer os demais com os quais convivi àquela época e hoje.
Maior, nos retratos, nas figuras, nas paisagens baianas, nas Igrejas,  nos interiores, sua Arte fluiu sempre em tom MAIOR.!
Como a de muitos grandes artistas, sei que  sua vida foi dura e trabalhosa, sem facilidades. Sua modéstia e sensibilidade - talvez a certeza do seu talento - impediam-no de se expor em desafios e competições!
Quando, em 1986, candidatei-me ao Bacharelado em Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia - após anos de afastamento da Arte, entre criação de filhos e outros trabalhos profissionais - lembrei-me do que me dissera naquela primeira vez, olhando meu desenho, o que foi para mim uma grande força.
Sinto-me profundamente honrada em ter sido aluna e amiga do MESTRE ALBERTO DE AGUIAR PIRES VALENÇA, de quem sempre falo, como exemplo, aos meus alunos.

Salvador, 08 de dezembro de 1996.

Isa Moniz de Aragão Faria


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DEPOIMENTO DE LYGIA SAMPAIO

PROFESSOR VALENÇA

A grande sensibilidade de Valença impressionava seus alunos de desenho. Era correto e, principalmente, sincero em suas aulas. Sua crítica era revestida de seriedade e sensibilidade. Poucos elogios e poucas correções o faziam muito respeitado pelos seus alunos. Quem recebia um  "Não precisa trabalhar mais" entendia que o mestre apreciara o trabalho e o considerava pronto.
Dono de uma pintura primorosa e exigente consigo mesmo, sofria quando, ao voltar para terminar um quadro ao ar livre, o céu nublado o impedia de trabalhar. Queixava-se: "Mudou tudo... mudou tudo..."
Em suas paisagens e retratos estão perpetuados suas lições, onde a sinceridade e sensibilidade estão aliadas a seu grande conhecimento de pintura, tendo como base um desenho maravilhoso. Orgulho-me de ter recebido essas lições na velha Escola de Belas Artes.

Lygia Sampaio


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DEPOIMENTO DE DAGMAR  PESSÔA


Alberto Valença era uma figura marcante na Escola de Belas Artes que ensinava com a mesma dedicação os primeiros passos da arte aos iniciantes como aos já adiantados nos estudos artísticos.

Era cordial, atencioso e a sua simplicidade encantava a todos que conheciam a dimensão e qualidade da sua obra, mas não se ufanava disso, achava que sempre podia ir mais além. Era muito querido e respeitado, estava sempre atento a todos os alunos, incentivando os pequenos progressos.
Quando fui sua aluna, de 1952 a 1957, era muito jovem, mas já percebia uma alma grande, uma pessoa extremamente sensível deixando transparecer alguma angústia e tristeza. Parecia ter nascido em um tempo errado, era um romântico impressionista.
Alberto Valença foi um expoente da pintura baiana, muito embora não estivesse nas notícias e exposições, a não ser nos salões de artes onde o público apreciava a beleza de seus desenhos e pinturas.
Valença, como era chamado, gostava de falar de seu tempo em Paris na Academia Julien quando surgia oportunidade, sentava no cavalete para corrigir os trabalhos dos alunos, falava das cores e da natureza.
A sua longa trajetória na vida e na arte baiana lhe confere, merecidamente, o título de MESTRE.

Dagmar Pessôa

Abril/1996



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DEPOIMENTO DE JORGE COSTA PINTO 


 Alberto de Aguiar Pires Valença, renomadamente Valença, nascido em 1890, na cidade de Alagoinhas, Bahia - já nasceu pintor. Isso ficou confirmado desde os seus primeiros estudos de pintura. O primeiro quadro que pintou e que conserva, marcou a autenticidade do artista nato. Haveria de ser o pintor impressionista extraordinário que é, como revelou desde muito jovem, ao ingressar na Escola de Belas Artes da Bahia. Na Escola, seus trabalhos mereciam entusiástica aprovação dos mestres. Extra Escola, já fazia obra notável. E recusa a ofertas dos colecionadores da época, porque jamais gostou de vender os seus quadros, tal o amor que  lhes dedica, sendo eles frutos do amor, da plenitude de alma, com que sempre os pintou. Logo diplomado, conquistou o prêmio Caminha, da Escola, envolvente de bolsa do Estado da Bahia, tendo viajado para a Europa, em 1925. Na Europa permaneceu 3 anos. Em Paris, estudou na tradicional academia Julian, com Albert Lorrain e no atelier do velho mestre Emile Renard. Habitou belas cidades,nas quais pintou como, por exemplo, Concarneau. Mas voltou à sua terra, o grande pintor que já era, sem marca de mais ninguém, de mestre nenhum. Embora tenha executado notáveis retratos e interiores e domine a figura humana, sua preferência é a paisagem a que tem se dedicado mais, avultando as marinhas. As da orla marítima da cidade do Salvador e as de ilhas arrabaldes, todas lindas. O perfeccionismo temperamental de Valença é extremo. Donde consome muitas seções na elaboração de um quadro. Prefere as marinhas dos fins de tarde. Sua luz é a de sua palheta e a de sua alma, ansiosa do belo sereno. Quando as interrompe por mais tempo, espera, no próximo ano, análogos momentos de atmosfera, luz e efeitos pictóricos para concluir, como as vê e sente.


Jorge Costa Pinto

Bahia, 11 de abril de 1979

4 comentários:

  1. Que beleza a obra deste que foi sem dúvida um dos maiores pintores brasileiros do século XX.
    Tive a honra de conhecê-lo e conviver com ele durante a minha infância em Salvador.

    Ronaldo Costa Pinto

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  2. Meditando com o Poeta da Cor
    Respirando incenso e ainda palpitando, desperto da meditação cercada pelas pinturas de Alberto Valença. Tenho a impressão de que seus personagens e paisagens me seguem com o olhar e me protegem naquele momento mágico quando escuto o silêncio interior.

    A expressão plácida de Dona Olímpia, mãe do artista, é marcada pela preocupação e rugas inerentes à idade. O rosto de Claudionor exprime a inocência da criança; o sorriso no autorretrato do pintor, sabedoria; as paisagens de Itaparica e Mar Grande, memórias alegres de minha infância. Por sua vez, em um ambiente sombrio, na sacristia do Convento de São Francisco, o perfil difuso de um frade me convida à reflexão. Não me surpreendi ao constatar que a obra é intitulada Meditação.

    Embora casada, há mais de vinte anos, com seu filho Antônio Alberto, não conheci Alberto Valença pessoalmente. Guardo na memória uma paisagem urbana contendo uma figura de mulher descendo a ladeira próxima a um trapiche, à margem da Baía de Todos os Santos, hoje trecho da Avenida de Contorno. A imagem ficou gravada na minha cabeça. Ficava na sala de jantar da casa de meu tio e padrinho Fernando Carvalho Luz. Este fora o meu único e inesquecível contato com a sua obra até conhecer Antônio Alberto.

    Um quadro é um poema se for algo mais que a linguagem pictórica. Diz-se que todo grande pintor é um grande poeta. Alguém que transcende os limites de sua linguagem... Por fração de segundo tenho a sensação de plenitude, ao abrir os olhos entre os personagens e ambientes criados pelo poeta da cor, Alberto Valença.
    Vera Spínola, 13/12/2013

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  3. Exposição de Mestres da Escola Baiana de Pintura 17/09/2017
    Vera Spínola

    No Museu da Misericórdia, nessa quinta feira 14 de setembro às 18:30hs, foi aberta a exposição Grandes Mestres Baianos: Presciliano, Valença e Mendonça, três dos últimos representantes da Escola Baiana de Pintura. A mostra, que reúne obras de acervos particulares pertencentes aos irmãos/membros da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, se estenderá até o próximo dia 15 de outubro.
    A Escola Baiana de Pintura engloba uma série de obras de artistas que trabalhavam principalmente em Salvador, entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XX, unidos por afinidades de cunho estilístico e temático. José Joaquim da Rocha (1737-1807) é considerado o fundador da Escola. Por sua vez, Manuel Lopes Rodrigues (1860-1917), integrante do movimento no final do século XIX e início do XX, desempenharia papel decisivo nas carreiras de Presciliano Silva (1883-1965), Alberto Valença (1890-1983) e Manuel Mendonça Filho (1895-1964). Foi como professor do Liceu de Artes e Ofícios que Lopes Rodrigues pode captar dentre seus aprendizes, todos de origem pobre, vocações como as de Presciliano, Valença e Mendonça.
    Os três pintores obtiveram bolsas de estudos para aperfeiçoarem o talento inato em instituições européias, incluindo a Academia Julian, Paris, escola de pintura e escultura, famosa pelo número e qualidade dos artistas que a frequentaram, num período de efervescência artística no início do século XX.
    Àquela época era comum os artistas buscarem inspiração na Bretanha, noroeste da França. Presciliano e Valença passaram longas temporadas naquela região, sobretudo na pequena Concarneau, um ateliê a céu aberto. Embora o auge como point dos artistas tenha sido entre 1870 e 1950, Concarneau ainda é conhecida por acolher pintores franceses e estrangeiros, atraídos pelo prolongado crepúsculo do verão, pela suavidade da luz e transparência da atmosfera, pelo espelho d’água da enseada, pelo patrimônio arquitetônico, pela numerosas embarcações, pelas características étnicas e culturais da população operária, camponesa e principalmente pescadora. A exposição contará com duas pinturas de Valença da temporada francesa, uma paisagem parisiense e outra bretã.
    Os conhecimentos da Escola Baiana de Pintura, acumulados ao longo desses anos, alcançaram Presciliano, Valença e Mendonça. Ao absorverem técnicas de mestres brasileiros e europeus, dedicaram-se à pintura de retratos e de paisagens tropicais, além do ensino na Escola de Belas Artes da Bahia. Foram responsáveis pela formação de inúmeros artistas contemporâneos.
    A exposição será um deleite para o olhar e uma oportunidade para se apreciarem obras de elevado valor artístico e iconográfico. Um grande momento para a Arte na Bahia.

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  4. Depoimento de Sante Scaldaferri (1928-2016)
    Pintor e ator baiano
    “Ne touchez pas. Ne touchez pas monsieur”. Assim ele começava a recontar o fato de estar pintando ao ar livre e um velho mestre francês, cujo nome não recordo, olhando para a tela disse: não toque mais senhor. Era a lição para seus alunos captarem que o pintor deve saber quando o quadro está pronto, quando não deve ser dada mais nenhuma pincelada, sob pena de estragar o trabalho. Ou então dizia “Le secret de la peinture, c’est la lumière”. O segredo da pintura está na luz. E na prática durante as aulas de Desenho de Modelo Vivo, insistia para os alunos desenharem com os olhos semi-cerrados, o que servia também para quando fossem pintar. Isso era para captarem melhor as “manchas”, o claro-escuro, ficando a obra sem muita definição, procedimento este herdado dos impressionistas.
    Essas e outras contava didaticamente o Prof. Alberto Valença, cuja estadia na França onde estudou em Paris, como aluno da Academia Julian, muito marcaram a sua formação de pintor.
    Ele absorveu não só os ensinamentos teóricos, como também os artesanais que os franceses chamavam la cuisine (uma analogia com uma verdadeira cozinha). Isto é, a mistura e preparo das tintas, dos óleos, a aplicação de vernizes, o uso de carvão, os chassis, as telas, os pinceis, os apetrechos e ferramentas etc., resultando em um aprendizado muito bom do seu ofício.
    E Estes ensinamentos, teóricos e práticos, é que ele procurava com todo o empenho transmitir aos seus alunos.
    Prof. Valença era um homem muito sensível e se emocionava facilmente, indo constantemente às lágrimas. Costumava sempre dizer: “Eu sou sincero”, e realmente não mentia. Com estas palavras, ele se referia à arte moderna querendo justificar a sua não adesão devido a não acreditar nela. Isto ocorria na década de 50, quando fui seu aluno e a arte moderna em Salvador já tinha dado os primeiros passos no rumo de seua definitiva implantação. A Escola de Belas Artes, cujos padrões de ensino eram regidos pelos cânones acadêmicos vindos da Ecole de Beaux-Arts de Paris, foi o último baluarte a cair. E o Prof. Valença, ao lado da quase maioria dos professores da Escola de Belas Artes, manteve-se fiel ao seu pensamento e aprendizado, não tomando conhecimento das linguagens da arte moderna que já existia antes deles estudarem na Europa.
    Não só ele, mas Presciliano Silva e Mendonça Filho, professores com a mesma formação e com estudos na Europa, mais ou menos da mesma época, mesmo tendo adotado uma linguagem ultrapassada, foram tão bons artistas dentro do que se propuseram a realizar, como excelentes professores.
    Posso afirmar que Valença era um homem bondoso e muito rigoroso quanto às suas convicções. Dos três gêneros de pintura mais em voga na época, ele foi um mestre do retrato, da paisagem e das marinhas.
    Para nosso reconhecimento e deleite, seus quadros podem ser vistos em vários museus, principalmente os de Salvador e em coleções particulares.
    Lembro sempre com carinho e saudades o meu velho mestre que, ao lado de todos os outros meus professores da Escola de Belas Artes, deixou ensinamentos muito úteis para o meu aprendizado.

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